Eles são inteligentes, bem humorados, dispostos a ajudar e ansiosos por um emprego. Mas têm algum tipo de deficiência física sensorial, mental ou intelectual que dificulta sua inserção no mercado de trabalho, apesar da Lei 8.213, de 1991 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm). A regra determina que empresas com 100 ou mais empregados são obrigadas a preencher, de 2% a 5% dos seus cargos, com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. A legislação completa 25 anos no próximo domingo (24), mas ainda não conseguiu tornar realidade o sonho de quem tem tudo para ajudar, como a maioria dos trabalhadores, mas não recebe a oportunidade de provar o seu potencial.
Se seguissem a lei, as empresas brasileiras gerariam pelo menos 827 mil vagas para pessoas com deficiência ou beneficiário reabilitado. De acordo com estimativa baseada no censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil, pelo menos sete milhões de pessoas com deficiência elegíveis para a cota. No entanto, as empresas geraram apenas 381.322 postos, conforme os registros da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho de 2014, o dado mais atual. O número é quase três vezes menor do que a real capacidade prevista na legislação.
“Se esses empresários pelo menos tentassem contratar uma pessoa com deficiência, eles veriam o quanto estariam ajudando essas pessoas e a si mesmas”, garante a encarregada dos operadores de caixa e empacotadores de um supermercado em Brasília, Marielda Domingos Vieira. Ela é a responsável pelo funcionário Irlan Alves Lopes, 34 anos, que, apesar da deficiência, trabalha no local como empacotador há nove anos e sete meses, conforme cálculo que o próprio Irlan tem na ponta da língua. “É que eu adoro trabalhar aqui”, explica.
Irlan já trabalhou em uma empresa de limpeza antes, mas não gostava muito. Acha que o trabalho no mercado é mais interessante. “Eu empacoto, faço entregas e converso com as pessoas. Eu gosto muito de falar com as pessoas”, conta.
De acordo com a auditora fiscal, Fernanda Cavalcanti, responsável no Ministério do Trabalho pela fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas, muitas empresas acabam contratando as pessoas com deficiência apenas depois de multadas. Elas alegam que não possuem vagas adequadas a esses trabalhadores, já que muitos deles possuem limitações físicas ou intelectuais que dificultariam sua inclusão. “Mas é sempre bom lembrar que os postos de trabalho devem ser adaptados às pessoas, com e sem deficiência, e não as pessoas devem se adaptar aos postos de trabalho”, pondera.
A secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho, Maria Teresa Pacheco Jensen, espera que a inclusão de pessoas com deficiência, que hoje é imposta pela lei, se torne uma realidade natural para toda a sociedade. “A mudança cultural é urgente, no sentido de romper preconceitos e a comunidade passar a reconhecer que os esforços devem ser coletivos. Sabe-se que muito ainda deve ser feito para que a pessoa com deficiência possa transitar livremente e com autonomia em todos os espaços públicos e, principalmente, ter condições de manter-se com o fruto de seu trabalho e integrar-se. A parcela de responsabilidade cabe à sociedade em geral e às empresas, em particular”, defende.
Para tudo ficar especial
O sorriso sempre aberto é a principal característica da atendente Kelly Elisangela Rodrigues de Sousa, 41 anos, que há 13 trabalha para uma rede de fast-food em Brasília – o único emprego dela com carteira assinada. Seja limpando e organizando as mesas, montando os lanches ou entregando os pedidos aos clientes, o bom humor está sempre presente. “Gosto de fazer tudo. Adoro meu emprego”, empolga-se.
O chefe dela, o gerente Anderson Rocha, garante que não é apenas Kelly que sai ganhando: “Quando a gente trabalha com uma pessoa especial, o ambiente todo fica especial. Ela traz humanidade para o ambiente de trabalho”.
A presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF), Wilma Chaves Kraemer, entende que muitas empresas não contratam pessoas com deficiência porque desconhecem suas capacidades. Na opinião dela, a lei, apesar de não ser cumprida em sua totalidade, tem o mérito de, mais do que obrigar, mostrar aos empregadores as potencialidades desses trabalhadores. “Muitos empregadores acham que as pessoas com deficiência não vão dar conta do trabalho. Mas depois, acabam mudando de ideia e vendo o quanto isso é importante para a empresa e também para o trabalhador, que se sente importante e se dedica ao máximo para corresponder às expectativas de quem o contratou”, analisa.
A Apae-DF mantém atualmente cerca de 500 pessoas com mais de 14 anos fazendo oficinas profissionalizantes em uma de suas quatro unidades. Eles fazem treinamento nos mais diferentes ofícios como lavanderia, confeitaria, restauração de livros e atendimento ao público, entre outras atividades. De lá, saem prontos para o mercado de trabalho.